domingo, 24 de julho de 2011

Os Cortiços e Seus Críticos


É sempre bom conhecer pessoas que compartilham conosco as mesmas paixões. Para a maioria dos meliponicultores é sempre uma alegria receber e conhecer outros criadores e quando estes encontros acontecem, rendem conversas intermináveis e nem se percebe o tempo que passou.

Infelizmente são poucas  as minhas oportunidades para aproveitar estes momentos, como ocorreu recentemente quando fui conhecer um senhor já com 73 anos bem vividos, sendo que cria as abelhinhas brasileiras desde os 13 anos de idade.

Trata-se de um simpático e falante senhor que reside em uma bela propriedade com  flores,  frutas e abelhas de diferentes espécies em cortiços. Durante a conversa ele disse que não gosta de caixas e quando indaguei, contou que não costuma fazer desdobramentos. Já até conseguiu com mandaçaias mas as poucas tentativas de dividir a uruçu capixaba resultaram em fracassos. "Quem divide não soma. perdi enxames tentando dividir e também, ao tentar  transferir para caixas". Ele me ouviu com atenção e interesse quando falei que hoje existem técnicas e caixas que possibilitam uma criação racional. Falei para ele pensar sobre outro prisma: Dividir para multiplicar.

Fiquei então pensando na imensa quantidade de colônias que este senhor teria formado, se desde a juventude praticasse a meliponicultura racional. Ao ser indagado sobre o critério para trazer as abelhas respondeu: "Conheço alguns ninhos nas matas, mas não faço questão de ter muitos muitos cortiços em casa e, não ligo em tirar muito mel. Só quero ficar com algumas por capricho e pela beluzura. Quando entro na mata fico admirando as que estão lá. Só que já aconteceu de eu não pegar em árvores velhas que eu ia olhar na mata de vez quando e depois sumiram". 

Segundo ele, antigamente havia muito mais abelhas nativas, mas com o grande aumento na quantidade de abelhas exóticas, elas foram diminuindo. Ele deixou claro que não gosta muitos das apis. "Antes, quando era só europa, não atrapalhavam muito não, mas depois com a africanas ficou um inferno. Antes quando eu tirava mel colocava a cera perto e as minhas abelhas iam pegar. Agora, aparece um monte de africanas para perturbar".

Eu disse que se ele conhecer caixas adequadas, vai gostar por terem espaço para ninho e para melgueira.Vai ter oportunidades de desdobrar enxames e tirar mel com muito mais facilidade. Ele havia dito que já tinha perdido enxames depois de tirar mel. Imagino que foi devido a derramamento.

Fiquei muito satisfeito quando ele me convidou para passar por lá sempre, e ainda  falou que gostaria muito, que na época apropriada, eu fosse lá para mostrar os tipos de caixa que eu uso e também para realizar com ele manejos, principalmente de desdobramento. Ele quer também conhecer o Caparaó e o meu pequeno meliponario.

A seguir, imagens de alguns cortiços deste antigo meliponicultor:







No mesmo dia, parei na lanchonete onde um outro pequeno criador também mantêm algumas colônias em cortiços. Este, eu já havia conhecido anteriormente, e ele aproveitou para me lembrar que eu havia prometido ensina-lo a fazer divisões. Falei então, que não me esqueci e que farei isto depois do inverno. Ele me disse que o pessoal da região não domina as técnicas e que já começou a falar sobre isto para os criadores que  conhece e que eles também se interessaram em participar. Estava orgulhoso, pois a pouco tempo, um cidadão do Rio Grande do Sul esteve visitando a região para conhecer a nossa uruçu.

Estou registrando estes ocorridos para ilustrar a minha opinião e posição com relação às  pessoas  que praticam a meliponicultura tradicional que é a retirada dos tocos na mata, e com relação uma  parcela dos acirrados críticos.

É muito comum vermos este tipo de atividade ser duramente criticada pelos ambientalistas em geral como sendo uma grande  depredação do meio ambiente, que acaba por levar à morte diversos ninhos de abelhas e também das árvores onde se alojam.

Ocorre que isto é uma prática tradicional, incorporada à cultura desde de antes da colonização, e não é apenas criticando e criminalizando este comportamento que se vai conseguir resolver a questão. Estas pessoas pela experiência, mesmo sem técnicas, possuem algum conhecimento e muita paixão, o que será um atalho para que com facilidade passem a ser multiplicadores de colônias. Com calma e paciência esta situação mudará, pois estes criadores das antigas, amam as abelhinhas e querem o bem delas e a maioria facilmente irá mudar de comportamento, pois que que lhes falta é apenas informação.

Cabe às instituições públicas,  aos verdadeiros ambientalistas e meliponicultores racionais, não apenas criticar, mas  divulgarem as técnicas e incentivar a estes criadores a também adotarem o manejo racional, e assim, passarem a serem  também defensores das abelhas que se encontram na natureza.

No caso principalmente da uruçu capixaba, ocorre que pessoas de locais distantes percorrem as localidades nas montanhas do Espírito Santo, perguntando onde podem comprar (por pequeno valor) cortiços  para os terem como um troféu em suas coleções, ou para desdobrar as colônias e ganhar um bom dinheiro. Isto representa um risco muito maior do que oferece o já idoso criador que mantem no quintal uns cortiços pela "belezura",  já que o dinheiro sempre foi o  maior inimigo da natureza e da vida. Como diz o ditado popular " beleza não põe mesa, e com a procura, há o risco de que aí sim, ocorra uma corrida para retirada - muitas vezes por pessoas desqualificadas - das colônias para a venda.

Os verdadeiros meliponicultores podem  realizar um trabalho de formiguinha, ou melhor, de abelhinha, que aos poucos vai trazendo o néctar das plantas e vai fabricando o mel. Assim como a abelhinha podemos aos poucos ir fabricando o nosso mel, que é a criação racional, pelo maior número de criadores que for possível. Aí sim, estaremos ajudando de verdade as abelhas nativas e  não apenas criticando uma atividade tradicional, sem procurar entender todo um contexto e sem apresentar alternativas.